Entrevista: Luis Felipe Mayorga “Os animais que atendemos nos trazem um diagnóstico da saúde ambiental”

Entrevista: Luis Felipe Mayorga “Os animais que atendemos nos trazem um diagnóstico da saúde ambiental”

A primeira pergunta tem a intenção de elucidar uma confusão que eventualmente surge: o que é o Instituto de Pesquisa e Reabilitação de Animais Marinhos – IPRAM?

Nós somos uma organização privada e sem fins lucrativos, reconhecida como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) pelo Ministério da Justiça. O IPRAM foi criado em 2010, quando a maioria de seus fundadores era estudante de medicina veterinária ou ciências biológicas na Universidade Vila Velha.

Então o IPRAM não é um órgão/departamento do governo?

Não. O IPRAM é uma pessoa jurídica completamente privada. Mas também não é uma empresa, pois não tem fins lucrativos. O IPRAM não distribui excedentes operacionais entre os seus sócios. Tudo o que é gerado de valor pela instituição é revertido para a própria instituição.

Quais espécies de animais o IPRAM atende?

Dentre os animais marinhos, somos especializados no atendimento aos pinguins que em alguns anos podem encalhar em massa no litoral capixaba. Atendemos também variadas espécies de tartarugas marinhas e as aves marinhas, tanto residentes de nossa costa quanto migratórias. E ainda recebemos animais silvestres (terrestres) provenientes de órgãos e departamentos estaduais.

Como as mudanças climáticas podem mudar o dia-a-dia nos mares e oceanos? Esse tipo de situação está afetando o ciclo natural de espécies marinhas? Quais são as espécies mais afetadas?

Os impactos das mudanças climáticas ao ambiente marinho são inumeráveis e complexos. Tenho alguns poucos exemplos: o nível do mar vem subindo mais rapidamente do que a média histórica, futuramente reduzindo a superfície das praias e costões rochosos, que são áreas de reprodução das tartarugas marinhas e reprodução/alimentação para numerosas espécies de aves.

Enquanto isso, a acidificação dos oceanos em curso nesse momento extinguirá extensas áreas de recifes de corais, causando impactos desastrosos em cadeias alimentares, desertificando ecossistemas e extinguindo milhares de espécies. Isso já está acontecendo, os corais estão branqueando e morrendo em todo o mundo, inclusive no Brasil. Outro exemplo: o sexo das tartarugas marinhas é determinado durante a incubação dos ovos, na areia. Os que estão mais ao fundo do ninho, em temperaturas mais baixas, resultam em machos. E os ovos mais superficiais, em temperatura mais quente, geram fêmeas. Então nas partes do planeta em que o clima se tornar mais frio do que a média histórica, mais machos nascerão. E nas partes do planeta que se tornarem mais quentes do que antes, mais fêmeas nascerão. É um impacto considerável nas suas populações. Principalmente para as populações em que nascerem mais machos, que provavelmente se reduzirão.

E com relação as aves? Existem casos de espécies sendo afetadas pelas mudanças climáticas?

Os pinguins são um excelente exemplo. Seus ciclos de vida são afetados por mudanças climáticas diretamente através do fenômeno El Nino. Ondas de calor induzem ao abandono de ninhos, e tempestades levam à inundações de ninhos e perda de ovos e filhotes. Longos períodos de seca, por outro lado, resultam em maior frequência de incêndios na vegetação, devastando seus habitats.

A subida do nível do mar também reduz a área costeira disponível para reprodução de algumas populações de pinguins, especialmente quando falésias ou estradas impedem que eles aprofundem seus territórios continente adentro. As mudanças na abundância e distribuição dos alimentos dos pinguins também podem ser um impacto negativo causado pelas mudanças climáticas. Se determinada população de um organismo que alimenta os pinguins se muda para áreas mais distantes, ou se torna escassa, a dificuldade e demora dos adultos no mar reduz o sucesso reprodutivo, pois mais filhotes morrem de fome enquanto aguardam seus pais nas colônias reprodutivas. Atualmente, as populações de 11 das 18 espécies existentes de pinguins estão diminuindo.

Quais serviços o IPRAM presta a sociedade?

Os animais que atendemos nos trazem um diagnóstico da saúde ambiental. Tratar desses animais não é uma questão de ideologia ou de carisma. Esse trabalho gera conhecimento científico; uma base sólida de informações que subsidia políticas públicas e até mesmo tecnologia, quando utilizada pelos setores da pesquisa aplicada.

No quadro atual, o IPRAM contribui diretamente com a pesquisa básica e com a formação acadêmica na área das ciências naturais. Centenas de estudantes de medicina veterinária, ciências biológicas ou oceanografia já passaram pelo IPRAM como estagiários ou voluntários. Sempre em parceria com universidades e outras instituições, até o presente momento o nosso trabalho já resultou na publicação de 34 artigos científicos, 57 resumos científicos apresentados em eventos, 5 livros ou capítulos de livros, 6 publicações em revistas e materiais de divulgação e 15 Teses (doutorado), Dissertações (mestrado) ou Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC). Toda a produção pode ser consultada nesse link.

Além disso, o atendimento aos animais é também uma questão de saúde pública. Antes da fundação do IPRAM eram comuns os relatos e reportagens de cidadãos mantendo pinguins debilitados (infectados por parasitas e fungos zoonóticos) em suas residências, à espera do resgate.

Hoje em dia existe um fluxograma no Espírito Santo em que todos os pinguins encontrados serão encaminhados de alguma maneira a nós para receber o tratamento em instalações adequadas.

Como vê a atuação ambiental no estado? E em que podemos melhorar?

Que a importância das questões ambientais está sendo cada vez mais reconhecida por toda a classe política, é um fato evidente. Mas um ponto de melhoria necessário é fortalecer o cumprimento das leis, o que demanda fiscalização.

E o direcionamento de recursos para aumentar a fiscalização parece ser o maior desafio para todos os gestores. Principalmente no ambiente marinho, que demanda investimentos em embarcações, combustível, demanda a cobertura de extensas áreas… Sabemos como é complexo. De qualquer maneira, temos enxergado sempre avanços, sejam tímidos ou substanciais. Nunca tivemos conhecimento de alguma gestão reduzindo ou cortando esses investimentos. Portanto, um pedido do IPRAM às prefeituras e ao governo estadual é que prossigam incrementando a fiscalização ambiental como puderem. Se possível, com mais celeridade. Se possível, com mais robustez.

Qual a relação institucional do IPRAM com o Instituto Estadual de Meio Ambiente – IEMA?

O IPRAM e o IEMA possuem um Acordo de Cooperação Técnica sem repasse de recursos financeiros, através do qual o IPRAM ocupa um edifício que estava sem uso dentro do complexo utilizado pela autarquia, utilizando-o como centro de reabilitação.

Nessa parceria, o IEMA assume os gastos de água, eletricidade e vigilância patrimonial. Os demais custos para operacionalização do Centro são assumidos pelo IPRAM. E assim nos últimos anos temos recebido milhares de animais silvestres provenientes dos Parques Estaduais, operações da Polícia Ambiental e resgates das Prefeituras da Grande Vitória.

Se uma pessoa ou entidade tiver alguma demanda de atendimento a algum animal silvestre, pode dirigir a demanda ao IPRAM?

Nós não temos recursos nem instrumentos legais para assumir os resgates de fauna rotineiros que são de responsabilidade do poder público. O ideal é que todo cidadão envolvido com uma demanda de animal silvestre acione a sua Prefeitura para que sejam tomadas as devidas providências.

Eventualmente poderá ser envolvida a Polícia Ambiental no resgate; cada caso pode ter um desfecho distinto. Os animais resgatados ou apreendidos podem ser direcionados pelo poder público a instituições especializadas como o Centro de Triagem de Animais Silvestres do IBAMA, em Barcelona, na Serra; ou ao Centro de Reintrodução de Animais Selvagens (CEREIAS) localizado em Aracruz. Então o IPRAM não é o principal ponto focal para animais silvestres do poder público, atuando mais como um apoio estratégico nessa grande rede colaborativa interinstitucional. 

O Governo do Estado apoia as atividades do IPRAM?

Sim, através do Programa Nota Premiada Capixaba, da Secretaria da Fazenda, que tem o objetivo de incentivar a responsabilidade fiscal dos cidadãos e estabelecimentos, aumentando a arrecadação de impostos. Nós fizemos o cadastro do IPRAM no programa, tivemos nossa contabilidade analisada e fomos aprovados para receber mensalmente parte do valor arrecadado, que também é distribuído entre outras organizações sociais.

Vocês recebem apoio de emendas de algum parlamentar, deputado estadual, federal ou senadores?

Nessa passagem de 2022 para 2023 nós recebemos pela primeira vez recursos de uma emenda parlamentar proveniente do Deputado Estadual Fabrício Gandini. Com esses recursos adquirimos equipamentos importantes e de difícil aquisição, tais como um aparelho de laserterapia para acelerar a cicatrização dos pacientes, bombas de infusão que nos fornecem maior precisão na administração de fluidoterapia em animais de pequeno porte, várias Unidades de Tratamento Animal (UTA) para acomodar pacientes críticos, além de instrumental cirúrgico/ambulatorial. O recurso dessa emenda parlamentar tem sido um apoio muito importante. Mas é essencial esclarecer que os recursos públicos não são suficientes para manter o funcionamento do instituto, que é fundamentado na prestação de serviços privados.

Afinal, o IPRAM é mantido por que tipo de recursos? Qual a importância da iniciativa privada como fonte de recursos?

Apesar de todos esses apoios mencionados, a maior parte dos recursos que mantém o funcionamento do IPRAM tem origem através da nossa prestação de serviços ao setor privado. Seja através do atendimento à condicionantes exigidas durante o processo de licenciamento ambiental, ou nos casos em que o próprio setor nos procura espontaneamente para resolver situações com fauna dentro de complexos industriais.

Que tipos de serviços uma instituição que trabalha com animais pode realizar para a indústria?

Por exemplo, nós elaboramos e executamos projetos como o Plano de Emergência Individual (PEI) e o Plano de Ação de Fauna (PAF), voltados para proteção, resgate, transporte e reabilitação da fauna em caso de derramamentos de óleo em instalações portuárias e refinarias. Isso envolve manter nossa estrutura preparada 24 horas por dia para atender imediatamente a emergências ambientais dos nossos contratantes, incluindo toda a estrutura para limpeza (despetrolização) dos animais atingidos. E também participamos dos exercícios simulados realizados pelos empreendimentos. Essa é uma exigência da Resolução Conama nº 398 de 11 de junho de 2008 aos empreendimentos, e é fiscalizada pelo IEMA e pelo IBAMA nos empreendimentos licenciados nas esferas estadual e federal, respectivamente.

Outra área de atuação do IPRAM envolve o resgate, transporte e reabilitação de aves marinhas que aparecem em plataformas petrolíferas e suas embarcações de apoio, assim como em navios de pesquisa sísmica. E quando a ocorrência das aves envolve aglomeração, toda a situação torna-se ainda mais grave, com as estruturas e tubulações sendo descaracterizadas quanto a cor devido às fezes, penas e alimento regurgitado, trazendo risco às operações. Esse tipo de trabalho envolvendo as unidades marítimas se chama Projeto de Monitoramento de Impactos de Plataformas e Embarcações sobre a Avifauna (PMAVE), sendo uma exigência do IBAMA a esses empreendimentos.

Nós também realizamos o resgate de fauna em fábricas, galpões e terminais portuários, quando os animais adentram nesses ambientes artificiais em busca de abrigo, alimento ou aquecimento. Nesses casos, o resgate não se limita aos animais marinhos, mas também inclui espécies terrestres, tais como gambás, capivaras, pássaros, aves de rapina, serpentes e quaisquer outros animais que estejam correndo risco de vida, paralisando as atividades ou ameaçando a integridade dos funcionários.

Esses serviços são os principais responsáveis pela manutenção de nossas equipes, materiais, veículos e demais gastos.

Cite alguns casos de atuação do IPRAM no estado?

No ano de 2012 ocorreu um severo encalhe em massa de pinguins em nossa região. O IPRAM se tornou um ponto focal regional, recebendo ao todo 438 pinguins; sendo 216 pinguins provenientes do litoral capixaba, 146 pinguins provenientes do litoral norte fluminense, 71 pinguins trazidos de Porto Seguro e Salvador (BA) e cinco indivíduos sem origem determinada. Toda a logística de limpeza, alimentação e acomodação dos animais se mostrou um grande desafio, configurando uma verdadeira emergência ambiental. Nunca mais tivemos uma temporada de pinguins tão intensa. No ano seguinte, após as operações de soltura de centenas de pinguins, que na época portavam uma anilha metálica de identificação, ainda tivemos a informação de que um pinguim nosso, solto em Anchieta-ES, havia sido encontrado no Uruguai 34 dias depois. Isso comprovou a viabilidade das solturas de pinguins em águas capixabas. Afinal, se as aves vieram nadando, precisavam ter condições de retornar nadando também.

Outro evento marcante foi durante a iminência da chegada das manchas de óleo de origem misteriosa que assolaram o litoral Nordeste do nosso país no ano de 2019. Nessa ocasião o IPRAM participou voluntariamente do Comitê de Preparação de Crise sob a coordenação da Secretaria de Meio Ambiente (SEAMA), com a participação da Capitania dos Portos, IBAMA, ICMBio e IEMA. Compomos os grupos de trabalho (GT) Segurança e Fauna, compartilhando documentos como nossas Análises Preliminares de Risco para aplicação à força de trabalho utilizada. Prospectamos com os terminais portuários no ES a possibilidade de doações.

Capacitamos instituições e voluntários em Vitória, Vila Velha e Caravelas (BA) quanto o manuseio de fauna contaminada por óleo. Doamos equipamentos de proteção individual próprios para o manuseio de animais oleados. Recebemos aves contaminadas por óleo provenientes do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos (BA) e posteriormente realizamos o transporte das aves descontaminadas até a soltura em Caravelas (BA). Todas essas despesas cobertas com os recursos do próprio IPRAM.

Outra situação mais recente foi o apoio que prestamos ao IEMA durante o incêndio de grandes proporções que assolou o Parque Estadual Paulo Cesar Vinha em setembro de 2022, quando compartilhamos equipamentos para resgate de fauna (cambão, puçá, pinção e gancho herpetológicos, caixas de transporte, veículo) e profissionais. Um ouriço-cacheiro resgatado pelo IEMA nos foi entregue para tratamento, cujos ferimentos levaram mais de 60 dias para cicatrizarem. Posteriormente o animal foi devolvido à natureza no próprio Parque Estadual.

Qual o caminho para desenvolver parcerias com o IPRAM?

Para pesquisas científicas, dúvidas e assuntos gerais, podemos ser contatados no [email protected] enquanto que para os empreendimentos com demandas relacionadas a fauna, o ideal é nos escrever no [email protected]

Em nosso website existe uma sessão chamada “Como Ajudar” que apresenta várias possibilidades de contribuição para os interessados, incluindo a possibilidade de doações. Estudantes interessados em “Estágio e Voluntariado” também podem se inscrever em nosso site.

 

Mário Berardinelli | Editor